Thursday, July 26, 2007

Saudades de Tavira


Outrora
nos telhados
podia-se voar

Outrora
nos jardins
podia-se correr

E nos canaviais
fingir
que se morria
...
As rendas da avó
guardavam
a nossa vida


(detalhe do quadro de Inez Wijnhorst
em Inside-Out, 2007)

INEZ WIJNHORST INSIDE-OUT 2007



O melhor dos pretextos para ir a Tavira, e junto ao rio visitar a nova exposição de INEZ WIJNHORST.
Perto do rio fica também a casa da minha avó: uma avó que recordo sentada com as suas agulhas, o seu crochet, as suas rendas de fios intermináveis. Tenho algumas guardadas, envelhecendo nas gavetas da cómoda que foi a do seu quarto, gavetas tão grandes que nós, pequenos, brincávamos dentro delas até ser apanhados e postos de castigo. Bons tempos, em que havia avós, disponíveis e carinhosas, férias, dias quentes e noites longas, que mais tarde dariam para eu ler, por exemplo, os romances torrenciais de Agustina Bessa Luís.

Nada acontece ao acaso e, como diz a pintora, citando Sandra Cisneros," The Universe is a cloth, and all humanity interwoven. Each and every person connected to me, and me connected to them, like the strans of a rebozo. Pull one string and the whole thing comes undone. Each person who comes into my life, affecting the pattern, and me affecting theirs".
Há aqui um vôo da tal borboleta que, batendo as asas nos antípodas, causa um cataclismo ( que pode ser da alma) no mundo que nos é próximo.

Inez tem um espírito filosofante, que acrescenta dimensão superior à sua obra : a contemplação dos seus quadros leva-nos a meditar e a descobrir que ali nada surge ao acaso, obedecendo cada gesto, cada escolha, a um movimento profundamente estruturado, algures na sua consciência, no seu inconsciente, no espaço de sombra onde os arquétipos se formam.
E por aí, por essa dimensão simbólica, surge a universalidade que é a própria da arte. Podemos então perceber e viver o Universo como um Todo, o que os alquimistas da alma faziam, cada um trazendo mais um elo para a Grande Cadeia do Ser de que falou Lovejoy, evocando Platão e toda a tradição neo-platónica, até aos nossos dias.

Do fio (das Parcas, que Inez descreve no catálogo) ao vestido do destino - pois o que nos veste igualmente nos define, tanto ou mais do que aquilo que nos despe...chegamos à mais íntima das tessituras, vista à lupa. E acontece o surpreendente ( mas não há arte sem surpresa, esse é outro dos mistérios, dos fundamentos da arte ). Citando Inez:
" E agora, vista à lupa, a imagem por detrás do espelho não corresponde ao objecto reflectido: duplamente fragmentado como através de um prisma, numa escala ampliada(em imagens gémeas), o exterior espelhou o interior e o verso o reverso".

Como Alice no País das Maravilhas, e Por Trás do Espelho, ora se diminui ( adquire-se paciência ) ora se cresce (adquire-se consciência) no processo de caminhar que é a criação em permanente desafio.
Nesta aventura do fiar e desfiar descubro, como cordão umbilical, uma curiosidade infinita, uma interrogação permanente, um olhar que não esconde, uma voz que não cala.
Em Inez não há silêncio nem medo.

Wednesday, July 25, 2007

O Dia e A Noite



De dia
a espera
mais longa

De noite
a lua
mais branca

Entre a noite
e o dia
o Anjo
que chora
e canta

Quebrada
a flauta de jade
perdeu-se a
magia
antiga

Chora o Anjo
canta o Anjo

Asas da melancolia

Sunday, July 22, 2007

Witold K. na Holanda



Grande antológica de uma obra monumental, a visitar até final do mês.
Os críticos referem-se à arte de Witold como sendo de um renascentista, pela variedade de temas e conhecimentos que revela.
Da pintura ao design e às concepções científicas mais elaboradas.
Na verdade caminhou ao longo da vida de olhos postos no futuro, mais do que no passado, e a celebração chega agora, no século XXI.

Thursday, July 19, 2007

Hommage to Witold K.


For many many years his melancholy paintings have been staring at me, while I searched for his name, his face, his painter-hand somewhere. We didn't meet in Paris, as we could.
I found him now, celebrating a long and wonderful career and am paying my hommage.
I can see him in the past with Jaques Prévert, whom we both loved, for his poetry, his genius.
And can see him with Stephen Hawking by the picture of a black hole model.
Black were those times when he fought for freedom in a country closed, as if forever.
But there's no forever closure in art, the real name for freedom.
I cherish this fragile, slightly stained watercolour, precisely for its frailty.Those characters turn their backs to a destiny they ignore but fear, they are not going, they are being taken, and that's the worst of cruelties.
In silence, to be taken, in silence hiding their face, as if it could change their destiny.
It reminds us of what we are, whoever and wherever we may be.

Tuesday, July 10, 2007

O Cavaleiro




Vai veloz o cavaleiro
na sua nova montada

Vai feliz e vai ligeiro
deixa para trás o lastro
que tanto o atormentava

Vê o céu à sua frente
no horizonte infinito

Vai feliz e vai ligeiro
não teme nenhum perigo

Leva a máscara na mão
deixa um coração partido
no peito do seu amigo

Wednesday, July 04, 2007

RENGA


1

If only I could
order the gusty breezes
I should like to say
I command you to leave this
solitary tree alone

2

The tree is old
it stands
facing the river

3

Night ferries
luminous swans
afloat on the moon's river

4

Silvery clouds
summerwinds blowing
on the sea

5

Burning forests
blazing summers
blinding suns

6

Un papillon aveugle
aimant
une lumière éteinte

7

Amar
só o efémero
as pétalas que caem

8

Like the sun and the moon
east and west
raising the light

9

O vento sopra
suavemente penetra
fecunda o ventre
da terra