Sunday, January 28, 2007

Novas Leis



Proclamação da Nova Lei

ATENA

Nem anarquia, nem despotismo eu quero
que os meus cidadãos cultivem com devoção.
E que não se lance o temor fora da cidade.
Sem nada recear, qual dos mortais seria justo ?

( Euménides, 696-699, trad. Rocha Pereira )

Thursday, January 25, 2007

Vasos Gregos em Portugal



Mais uma belíssima exposição oferecida pelo Museu Nacional de Arqueologia. Pode ser visitada de 26 de Janeiro a 15 de Julho de 2007.
A exposição constitui ao mesmo tempo uma homenagem a Maria Helena da Rocha Pereira, Professora Catedrática Jubilada da Universidade de Coimbra e Comissária Científica desta exposição, na sua qualidade de grande especialista da Cultura, Literatura e Arte Gregas.
Quando estudante em Coimbra, tive o grande privilégio de ser aluna da ilustre Professora na cadeira de História da Cultura Clássica. Devo-lhe o amor que aprendi a ter à Cultura, à Literatura, à Arte - ao pensamento filosófico e à criação em geral. Quando tenho saudades do tempo de estudante, e são cada vez maiores, pego num dos seus livros e volto a ler. Repetidamente leio as suas traduções dos grandes trágicos gregos. As Bacantes, por exemplo: ainda hoje sinto como actual o conflito entre a ordem civilizacional que Penteu deseja impôr, excluindo as pulsões mais fundas do ser humano, e a entrega à desordem emocional, ainda que ritualizada do culto de Diónisos. Este castigará Penteu pela arrogancia: no ser humano, como no divino, é preciso ver o "outro", reconhecer no outro a parte que ele contém de nós mesmos. A lição é de luz e de sombra...
Outro livro bom comanheiro e que aconselho aos alunos: HÉLADE, Antologia da Cultura Grega. Enquanto não se adquire o gosto de ler as fontes, aqui se encontrará uma selecção traduzida por mão de Mestre, indo desde a Ilíada e da Odisseia de Homero, passando por Hesíodo, Safo, entre muitos outros textos, autores e fragmentos dos pré-socráticos até Platão, Aristóteles e os que se lhes seguiram. O exemplo de um manual perfeito, nesta hora de tanta discussão em torno de novos manuais e novos modelos pedagógicos. Não há pedagogia esvaziada de saber. Vejamos Sófocles, na Antígona:
Coro
Muitos prodígios há; porém nenhum
maior do que o homem.
Esse, co'o sopro invernoso do Noto
passando entre as vagas
fundas como abismos,
o cinzento mar ultrapassou. E a terra
mortal, dos deuses a mais sublime,
trabalha-a sem fim,
volvendo o arado, ano após ano,
com a raça dos cavalos laborando.
....
Da sua arte o engenho subtil
p'ra além do que se espera, ora o leva
ao bem, ora ao mal;
se da terra preza as leis e dos deuses
na justiça faz fé, grande é a cidade;
mas logo a perde
quem por audácia incorre no erro.
....
(trad. Rocha Pereira )

Como bem recorda o Coro, o mérito é o do trabalho, sem ignorar o engenho, e o erro a evitar é o do excesso (da arrogancia ). Só no saber não existe nem nunca existirá excesso, pois o saber é humilde, na ânsia de conhecer mais e melhor, enquanto for possível.
A exposição é um exemplo de amor da beleza e da sabedoria partilhado comnosco.
No fragmento com que ilustro o post ( de um vaso da colecção de Manuel de Lancastre ) Diónisos, seguido por uma Ménade, caminha levando na mão uma taça com oferendas.
Não sendo deuses, aceitemos contudo, nós também, a taça de oferendas. O vinho de Diónisos é o vinho da vida.

Tuesday, January 23, 2007

Jorge Casimiro



De Jorge Casimiro, MURMÚRIOS VENTOS, recolha da sua poesia numa bela edição ilustrada por Ana Casimiro.
São poemas de cariz confessional em que as palavras se moldam à emoção que o autor procura esculpir na memória de quem lê.


"em palavras me desnudo a cada verso
e nua paisagem me descubro
tão longe tão vazio tão repleto"

A leveza de mão da ilustradora completa de forma inspirada, como que voando só por si, a densidade dos textos que trabalha.
Como se a palavra de pedra fosse erguida por um sopro de discreta transformação.
Talvez não por acaso a editora se chame PÁSSARO DE FOGO...

Wednesday, January 17, 2007

BABYLONE de Manuel Alegre



A obra de Manuel Alegre continua em digressão pelo mundo.
Lançada agora em França na colecção "Paroles d'Ailleurs" a edição bilingue de BABILÓNIA (poema épico de 1983, revisto em 2000 na Obra Completa); e no próximo mês de Fevereiro será lançado em Leipzig o romance RAFAEL na tradução de Markus Sahr.
Sabendo, por experiencia, como é difícil traduzir poesia, saúdo a tradução francesa de João Carlos Vitorino Pereira. A tradução é um acto de amor e um exercício de pacência e humildade. Exige a leitura por dentro do poema, uma leitura mais íntima, mais secreta, em que a voz se torne nossa e a possamos transformar. A tradução tem o seu quê de alquímica devoração: apropriamo-nos das palavras do outro, do seu pensamento, do ritmo que a ele preside, para dar forma-outra na língua que já não é só dele, mas dele e de um outro em conjunção feliz.
Babilónia surge como um "grande cantico subterrâneo", uma epopeia que mais parece ser a expressão da "corrente de consciência" de um escritor atento e sofrendo com a mudança e a decadencia inevitável dos tempos. A marca Camoniana é forte e Manuel não a esconde, antes a proclama.
Ao contrário de Pessoa, que pretendeu, em MENSAGEM, reler a História de Portugal, Manuel Alegre relê o pulsar da vida num universo em permanente mudança.
Aqui a viagem é passagem, o jardim é o sonho de um espaço que deixou de ser idílico e esconde muita tormenta (aproveite-se para ler a seguir Senhora das Tempestades...) .
A epígrafe dá o tom " Esta é Babilónia, lugar da vossa residência". E segue-se, antes do canto de Manuel, a transcrição do maravilhoso Poema Babilónico da Criação:

"Aquele que tudo viu
aquele que chegou aos confins do país
o sábio, o omnisciente,
que conhece todas as coisas
aquele que leu os segredos
e desvendou o que estava escondido
transmitiu-nos um saber
de antes do dilúvio.

Longo foi o caminho que percorreu.
Quando voltou, fatigado mas sereno,
gravou sobre a pedra
o relato da viagem".

(Epopeia de Gilgamesh,Prólogo)

Este é o sopro profético que leva o nosso poeta a cantar, também ele, o que viu, o que aprendeu, o que lhe foi difícil e finalmente o que o apaziguou, suavizando a relação consigo e com o mundo..Responde a Gilgamesh a par e passo, quase verso a verso, confrontando o seu caminhar com o que outros descrevaram na memória dos tempos.
Cito agora na tradução francesa alguns dos poemas que mais dizem sobre o caminho percorrido:
IN MEZZO DEL CAMINO
1.
"Ta vie est au milieu: ta contradictoire
vie périlleuse passionée.
Changer l'homme ( disais-tu ) Faire l'histoire.
Comment abolir maintenaint le quotidien ?
La jungle est sombre et tu es seul
avec ta guitare et ta mémoire
au milieu du chemin".

O meio do caminho, no meio da vida: a pausa da sabedoria que só não é infinita porque nada é infinito no homem:
3.
...
"Tu es simplement de passage
et ce qui reste de toi est ton absence.

Tu t'assois.
Ta chaise est l'auberge d'un soir.
Te voilà assis sur l'adieu lui-même".

Mas é a palavra que redime, daí a necessidade absoluta da escrita, na pedra da memória.Tal como Celan, outro profeta da eterna transmutação do Verbo no ouro do poema, Manuel Alegre dirá:
8.
"Tu ne te libères que par la parole
par la porte défoncé de la parole
syntaxe désagrégée
blanc espace de solitude

De l'autre côté de la grammaire se trouve la mer
tu verras peut-être ces îles jamais vues

Puis soudain une guitare".

Noutra secção, O Homem Sentado À Mesa, L'Homme Assis À Table - descreve-se o trabalho do poeta, sentado à mesa, diante da folha do papel, percorrendo esse "long chemin de la vie vers le mot". Espera-se atingir o pássaro, aquela figura mágica que nos poemas de Prévert desinquietava as almas juvenis, esperançosas.
O homem sentado à mesa não está parado, caminha por dentro das memórias, das ideias, das palavras que tenta organizar, do vôo de alma que se ergue como um pássaro ao alto, na janela.
Last but not least, parabéns aos editores e ao tradutor.

Friday, January 12, 2007

INEZ WIJNHORST



Uma história bem contada, a propósito da arte de Inez no nosso País das Maravilhas, tem de começar pelo princípio.
Inez trocou a sua Holanda natal, de subtis cambiantes, pela luz mais crua e aparentemente mais pura de Lisboa.
Lisboa onde Fernando Pessoa viveu o seu exílio de alma, Lisboa que quase não é pátria de ninguém que ame verdadeiramente a arte: os que amaram tiveram de fugir. Amadeu foi um deles, Arpad e Vieira da Silva foram outros, a tão celebrada hoje Paula Rego foi crescer e amadurecer para Londres, enfim são muitos os exilados e poucos os escolhidos para a mesa faustosa da celebração.
Mas a aventura de Inez processa-se ao contrário. Ela escolheu, e segue o seu caminho.
Tal como Alice, Inez espreita o que se passa atrás do espelho: o seu olhar detém-se ora nos pormenores triviais da vida moderna, como é o caso em REAL ESTATE ROBBERY, que define como " pisar a fronteira entre privacidade e voyeurismo" ora mergulha na profundidade do inconsciente arquetípico dando-lhe expressão literária e imagética que surpreende pela originalidade da linguagem que propõe. Refiro-me à colecção dos desenhos de UMA HISTÓRIA MAL CONTADA.
Não podendo colocar no blog a série transcrevo a título de exemplo dois momentos, dois poemas, que funcionam em separado se assim quisermos, ou em conjunto se o nosso gosto e a nossa empatia nos levar a construir a nossa história íntima também a partir deles.

" no caminho de A para o B
naquela estrada longa
que une o inferno ao céu
a alegria e a perda, a inocência e a decadência
existem outras histórias
sem limites ".

Esta a escolha dos textos, esta a escolha do caminho, que simbolicamente levará a uma unidade dual e desejada.Porque o segredo e o fascínio da obra de Inez é precisamente que ela reúne opostos e contradições, não exclui, mas descobre e aponta, reinventa e recupera para de novo abrir caminho. A criação é um continuum, nada da sua herança cultural se perde ou se rejeita, os seus desígnios são firmes e são claros, o seu suporte é o dos valores da arte universal.
Também por aqui passa o nosso e dela desassossego : como é Pessoana a sua inspiração...

" quatro meses depois, com
saudades de dançar
procuram casa em Lisboa
e pensam duas vezes
na produtividade e nos mecanismos de flexibilidade
na contaminação genética e na co-incineração de lixos perigosos
no desassossego
e na imposição de horários
(quase ) tudo incerteza.
o futuro, a mediocridade".

Uma discreta ironia a protege, impedindo que se feche naquele autismo complacente de tantos criadores conhecidos, que já nada procuram e por isso já nada mais descobrem. Cadáveres adiados...diria o nosso poeta, o eterno insatisfeito eternamente votado às citações eruditas das efemérides.



Inez Wijnhorst traz um sopro de vida à melancolia dos tempos.
E uma chamada de atenção. JACOBS LADDERS, a série das Escadas de Jacob, de pedras , de cordas, de espinhos que deixarão marcas de sangue, é uma profunda chamada de atenção para os mistérios da vida e da morte: vive-se lutando com o Anjo, morre-se da sua ausencia se não tivermos a coragem de lutar. Este é um forte aviso, um forte apelo à interioridade mística. Ou melhor, mítica, universal, e mística, pessoal.
Assim vai Inez, no seu caminho de cordas e de estrelas.