Friday, August 30, 2013

Au Matin de la Parole

De Gabriel Mwènè Okoundji
Au Matin de la Parole, com posfácio de Patrick Quillier, também ele poeta.
Foi uma leitura, ou melhor releitura, o Patrick já me tinha oferecido o livro há alguns anos atrás, gratificante, como bálsamo na alma, em momento que carecia de mais intensidade e mais simplicidade ao mesmo tempo.
Pode parecer contradição, mas não é.
O sentimento mais intenso é, ao fim e ao cabo, como lemos nas palavras dos Mestres de Okoundji, que ele evoca e retoma neste livro, é o sentimento mais simples.
Mais simples das coisas da vida, e também da vida no seu quotidiano, que esquecemos ou até desprezamos, no mundo actual demasiado apressado e demasiado febril. Vaidade das Vaidades...
No Amanhecer da Palavra seria o título em português. 
Comecemos por aí: pelo amanhecer, ao mesmo tempo Aurora e Nascimento de um Verbo que se tornará matéria mesma da vida.
Vida contemplativa, feita de atenção e de recolhimento humilde.
Okundji é natural de uma tribu do Congo Brazzaville, e actualmente Psicólogo Clínico num hospital de Bordeaux, e Professor da Universidade.
A sua obra poética define-o como uma das vozes maiores da poesia africana, distinguida com vários Prémios. E este seu título que agora intercala no seu nome, de Mwènè, significa que completou um longo processo de iniciação com os Sábios da tribu originária, e que nele foi delegada a responsabilidade de continuar com a tradição, actualizando-a, pela vida e pela obra.
Este amanhecer que aqui nos é oferecido é um renascimento, um processo ritual de maturação filosófica e religiosa que só o tempo, Sábio máximo, nos pode conceder.
O Tempo e a Vida. A vida na sua multipla abundância: de luz, de escuridão, de frio, de calor, de alegria e de dôr, aquilo a que o poeta chama " os estados do ser vivo".
O amor é parte integrante desse estado de ser vivo: amor de plenitude, entrega e compaixão.
Fico-me, esperando ter despertado a curiosidade por este poeta secreto, com uma das citações dos aforismos de Ampili, a Grande-Mãe e Pampou, o Pai Eterno:
" que a ignorância é o ninho que o pássaro perdeu"...
E como se torna imperioso que os pássaros que por todo o lado esvoaçam, perdidos, recuperem o ninho, ao recuperar também a Palavra perdida, no seu Amanhecer!

Friday, August 23, 2013

Lendo, em Férias...
Cristina Carvalho

Uma escrita fluida como onda, surpreendente de tão detalhada, herdeira de um realismo fantástico por vezes feliz, por vezes dorido, em que somos conduzidos por um desejo que é de amor, compaixão e saudade.
Em Ana de Londres é de nós todos que se fala.
Já em Marginal fui descobrir uma narrativa talvez mais pessoal, com atravessamento de memórias, numa escrita rápida e firme, de quem sabe o que pretende dizer, e não deseja perder tempo.
O início é sedutor, e os livros que prendem o leitor têm de seduzir.
A descoberta na rua de um conjunto de fotos antigas, que uma filha entrega à mãe, que por sua vez nelas redescobre um tempo que foi passado e vai tornar-se presente,- é o mote perfeito. 
À medida que progredimos na leitura o espaço materializa-se, as personagens adquirem vida própria, sob um olhar que se tornou exigente e contundente: a Marginal, estrada de atravessamentos múltiplos, torna-se quase perigosa, no fogo das emoções que (supomos, não é claramente afirmado) a Revolução de Abril despoletou.
Muitos amores, muitas separações.
O quotidiano banal torna-se insuportável: crítica bem detalhada de tiques e vaidades de pequena burguesia, que se julga de repente emancipada. Mas Cristina, no alter-ego da narradora, não perdoa. Poderia ter dito, como em Downtown Abbey: don't! It's so middle class!
O que me remete para a abertura do livro, antes do 1º capítulo, e a declaração frontal, como que de revolta:
" A Revolução não fui eu que a fiz".
E não foi, mas viveu com ela, ou através dela, todas a mudanças que um ar novo, ainda que de louca rabanada, introduziu.
Cristina tem um olhar arguto, que no traço grosso das personagens caricaturadas remete para algum realismo expressionista, de onde nos leva a seguir para vivências mais fundas, as do amor sentido.
As páginas que são tocadas ao de leve, numa estrutura musical, de "andamentos" preparam as que se seguem, do conjunto de negativos revelados, por onde escorre um amor secreto, amor passado e revivido: mas por quem? 
Um itálico separa amor passado de vida presente.
No itálico permanece encerrada uma paixão violenta, de entrega rápida, de desejo que não terá controle.
Mas nas Revoluções, como nas paixões, a intensidade depressa se esgota: a vida regressa a um decurso normal (que pode tornar-se insuportável, conduzindo à separação consequente).
Assim, de foto em foto, se percorre um tempo irrecuperável, num espaço que também ele foi mudando, ao longo da Marginal.
A própria vida se tornou em parte marginal, vivida em recato à margem, mas que uma súbita pulsão poderá, a qualquer momento, fazer de novo explodir.
Talvez só em melancólica saudade?
A estrutura da narrativa é aleatória, mas sem que se perca um dos fios da meada, para mim talvez o mais interessante, e que gosto de ver na obra de Cristina: a capacidade de olhar e descrever com objectividade surpreendente o mundo à sua volta, desde o jardim mais pequeno, à planta mais solitária, ao recanto da casa mais cuidado. Sempre a palavra certa, quando estamos em época de tanta vaguidão e de tanto vazio...
Herança de um pai cientista e poeta? 
A qualidade da escrita, neste romance, tem a ver com a minúcia do detalhe, mais do que com a pressa de alguns momentos em que a hesitação, ou a reflexão, poderiam ter tornado o "menos" mais intenso do que o "mais" do seu dizer.
No menos fica guardado o mistério, no mais o explícito apaga  a sombra que o teria coberto.