Sunday, January 24, 2016

Vergílio Ferreira ( 28 de Janeiro,1916-2016)

V.F. faria no dia 28 deste mês, cem anos, leio no Público.
O seu espólio continua a ser estudado, inicialmente pelo seu antigo aluno, leitor e admirador de sempre, Helder Godinho, que fala dele como seu Mestre. No ano em que Almeida Faria - outro seu aluno- publicou Rumor Branco, pensei: começa agora a nova prosa portuguesa, de quem leu Joyce e tem a sua voracidade da palavra e da escrita.
Era um tempo em que predominava, e muito, o neorealismo, de que eu me sentia afastada: começara em Coimbra, pela mão do meu pai a ler Alves Redol, mas aquele irritante ruralismo (as coxas das moçoilas....) para mim, que em  França já tinha lido Zola, e passado para Prévert, Vian, Aragon, Desnos, a revelação de Sagan e Christiane Rochefort, seu antídoto, e não esqueço Sartre, o fundador do existencialismo - para mim, não esquecendo  e estando ainda em Coimbra, a ler Fernando Pessoa e Sophia de Mello Breyner - só uma nova escrita tinha sentido e me fazia continuar a ler com entusiasmo.
Agustina de Bessa Luís viria um pouco mais tarde.
Mas voltando a Vergílio: ambos éramos muito pontuais, e nos antigos jantares do Pen Club tendo chegado antes dos outros, íamos sentar-nos em frente um do outro, ao fundo da mesa, e aí ficávamos a conversar. Ele era culto, inteligente, e só não digo encantador porque a seguir chegava Sophia, de quem eu já era amiga além de absoluta leitora, que se sentava ao meu lado.Virgílio não a cumprimentava e explicava-me, em voz alta para que se ouvisse: não lhe falo porque ela é demasiado snob e faz sempre esperar os outros. Depois vim a saber que essa zanga datava de uma ida ao Brasil, em que Sophia fazia esperar os outros, no átrio do hotel, para partirem todos juntos para uma das múltiplas iniciativas literárias do tempo. Era um homem de amuos, pelos vistos. Sabia que a mulher dele era polaca, mas nunca lhe disse que a minha mãe era polaca, embora não refugiada, e trabalhara num escritório de apoio aos refugiados aqui em Lisboa, desde 1939 até irmos em 1946 para a Argentina.
Não disse, porque ele nunca trouxe a mulher consigo a estes jantares e eu não queria ser indiscreta.
Fui lendo a sua obra, aqui e ali, mas eu era de facto de outra geração, e o que  mais me agradava nos seus romances era a dimensão filosófica, não tanto a literária.
O último que me chegou às mãos, já depois de ele ter falecido, ESCREVER, foi um dos que dei a ler no meu seminário de Mestrado de Escrita Criativa  ao longo do ano.
Fico hoje a saber que ele, homem da geração do meu pai, teve como uma das leituras primeiras os grandes russos, e de André Malraux La Voie Royale e La Condition Humaine, que o meu  pai tinha na edição francesa e eu li em Coimbra ainda.
Não admira que a sua querela, com os estruturalistas - coisa de moda, em Portugal, coisa mais séria com Roland Barthes....como é costume entre nós...o tivesse levado a aprofundar ainda mais o seu pensamento sobre a dimensão da existência, o que tem de vasto e o que tem de efémero...
De que falaríamos hoje num dos jantares do Pen? De Davos? da quarta revolução industrial, ou ele diria, sorrindo, que há muita gente que lê mais do que entende?




No comments: