Thursday, April 21, 2016

Orhan Pamuk, sempre ele....

Recebo agora o seu livro, cujo título me atraiu:
A STRANGENESS In MY MIND, ed. de 2015, na tradução inglesa.
Esta é a estranheza que também sinto, será como foi a de qualuer dos meus escritores preferidos, Proust, por exemplo, entre outros, de escrita demorada, fruto de uma atenção ao pormenor que se destaca nos meio de um ambiente mais alargado da família e suas rotinas, ou da sociedade e sua cultura e hábitos, que vão do religioso ao alimentar...Em cada pormenor a identidade ou a diferença, intransponível, quem sabe se talvez mais ainda do que outrora.
A edição da Faber and Faber é sumptuosa, um pouco pesada para mim, mas lerei devagar, e sobre uma cómoda almofada.
Estranheza é o que sentimos, desde logo perante a decisão de escrever, ou continuar a escrever, quando parece que já dissemos tudo, ou outros foram dizendo por nós.
Este impulso que nos leva a olhar de novo à nossa volta e a anotar o que sentimos, ou pensamos, e pode ir da tranquila indiferença a uma revolta mais calada, mais surda, mas a dado momento precisando de ser dita. Quando pelo meio se intercala uma relação de amor quase impossível surge o contraste civilizacional, e a estranheza aumenta: num mundo já tão aberto, tão global, como podem existir, (e existem, ficam mesmo a descoberto) nichos de tão grande fechamento...e podem ser felizes, no sentido mais geral de ficar a viver uma vida agradável, onde pelo menos alguma liberdade e respeito mútuo permitam chegar ao fim da vida no seio de um convívio de espírito mais aberto?
Pamuk vive entre duas culturas, escreve na estranheza ou na admiração de ambas, pois em ambas se encontram valores respeitáveis. A estranheza é contudo grande: por que razão não se encontram, em algum ponto central de conhecimento e reconhecimento? Não somos todos humanos, nascidos do mesmo par primordial? Sentindo as mesmas paixões , quando há paixão pelo meio?
Como já acontecia noutros dos seus romances, ele parte de um episódio, só aparentemente pequeno, insólito, como o de amar a irmã mais nova nascida numa família tradicional de uma pequena localidade turca, ter esperado alguns anos por ela, escrevendo-lhe cartas de amor, e de regresso combinar então que fugiriam juntos, ajudados por um primo, indo viver para Istanbul, para eles o mundo. O estranhamento começa quando o jovem herói, de 25 anos, descobre, ao ver o rosto da amada, que ela não é a irmã mais nova, a quem escrevera tanto o seu amor e saudade, mas a mais velha, com quem teria mesmo de casar agora, por uma questão de honra.
Estão lançados os dados : foi trapaça do pai (as filhas mais velhas tinham de sair de casa antes das mais novas, para casar), ou o destino? E o que sucederá daqui em diante?
Mevlut é o jovem que foi primeiro pastor de ovelhas, na sua terra, e só mais tarde viajou para Istanbul, onde tinha já o pai e o resto da família, e onde agora  vive com a mulher, ganhando a vida como vendedor ambulante.
Ao longo dos vinte e cinco anos que foram passando, Istanbul mudou, e Pamuk, através de pormenores e situações que nos servem de exemplo, por via dos seus heróis, de que Mevlut é o principal, evoca os grandes contrastes que persistem, em pleno século XX: entre uma sociedade ainda provincial e mesmo rural nos costumes e medos, e uma sociedade que se desejou laica e progressista, moldando-se aos costumes alheios e dentro desse desejo tornando-se ainda mais arcaica, e já carregada dos vícios dos outros, da sociedade moderna, bem assimilada e distorcendo o sonho de vida de um simples homem de família, como Mevlut.
Este será o herói da "estranheza no espírito" do próprio Pamuk: de um mundo para o outro, em apenas 25 anos, como ele diz, numa capital que fora para ele, quando jovem, o mundo.
Mas o romance continua, e devemos seguir com ele até ao fim.
Entre o particular e o universal, aí se jogam de novo os destinos da vida.

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