Thursday, September 15, 2016

Pensar para Existir

Enquanto não abro um novo blog para este efeito, de pensar mais para existir melhor, num mundo em convulsão que todos os dias nos entra pela casa dentro (pela alma dentro) e nos faz pensar no sentido de uma existência limitada, que é a nossa, e grandes interrogações sobre o futuro de filhos, netos, da própria espécie humana, que vejo suicidária, perdida dos seus valores religiosos e morais, aqui deixo a referência a um Teólogo de grande erudição que reflecte sobre a questão do Mal no mundo e pode ser uma espécie de incentivo a que se leia mais, e melhor, não ficando apenas, como eu fiquei, em Dizer o Mal, pela interrogação metafísica de alguns poetas que citei.
O ponto que o autor mais deseja debater é o que chama de Via Larga, no sentido de uma secularização aberta, e possível, no nosso tempo, desta premente discussão do Mal, perversão de uma realidade, a de que o Bem, vivido na nossa modesta e limitada esfera imperasse no mundo que nos rodeia.
Aguardo a reacção dos nosso leitores mais habituais.
O Mal, A Secularidade, E O Trabalho Do Conceito
por A. Heller, R. Mancini, A. Torres Queiruga,
ed. L'Altrapagina, Città di Castello, 2013 (pp. 33-90)
Nota de leitura ( do ensaio de Andrés Torres Queiruga)
 Começa A. Torres Queiruga, no ensaio incluído no volume colectivo, por actualizar o conceito de Teodiceia definindo uma via que parte da ruptura da tradição para uma "via curta", como diz, chegando a um conceito alargado, de "via larga" na actualidade.
Não refarei o percurso, de grande erudição, que nos propõe àcerca da Teodiceia ( o conhecimento de Deus) porque desejo chegar ao fundo da questão, que é a do eterno mistério do Mal, consentido ou não por um Deus Criador, perfeito, de um universo ainda por conhecer, mas em que vivemos, e no que dele já é conhecido, em plena imperfeição: violências de todo género, guerras, perseguições, de que o Holocausto, em todo o seu horror faz com que o Papa Bento XVI exclame, na visita a Auschwitz: "Porquê, Senhor, te calaste? Porquê pudeste tolerar tudo isto? "
Encontro em momento especial, no corpo da poesia de Paul Celan, a mesma interrogação, o mesmo espanto que afunda: como foi possível tanto horror consentido?
Para o autor reside aqui o estado actual da discussão da Teodiceia, tal como ele a vai apresentar no seu estudo. Porque o Papa, este Joseph Ratzinger, é um grande teólogo (cuja obra tenho, nas diversas traduções que fui encontrando e onde reconheci muitas das leituras que gostei de fazer, desde os primitivos Evangelhos apócrifos, ao seu entendimento superior do que significa a Comunhão, numa época em que a astrofísica e a física das partículas - a ciência pura, do conhecimento do Universo Criado - nos podem ajudar a viver melhor um momento de Fé, na plenitude do que significa um Mistério, o da permanência eterna da energia criadora...).
Desta apresentação segue o autor para o problema que aqui se desenvolve: o da existência, ou da presença do Mal, como tem sido discutido até agora, e cuja discussão ele deseja reorientar à luz de um novo entendimento possível. Refere em nota uma obra que tem tradução portuguesa, Repensar o Mal,da ponerologia à teodiceia, São Paulo, 2011.
A questão do Mal conduz à da relação de Deus com essa perversão no mundo, e do mundo, nas criaturas (feitas à imagem e semelhança de Deus, como se lê no Génesis) e o autor evoca o célebre pensamento de Epicuro, a esse propósito:
" Ou Deus quere tirar o mal do mundo, mas não pode; ou pode, mas não o quere tirar; ou não pode nem quere; ou pode e quere. Se quere e não pode, é impotente; se pode e não quere, não nos ama; se não quere, nem pode, não é o Deus bom e ainda por cima é impotente; se pode e quere - e isto é mais certo-então, de onde vem o mal real e por que não o elimina? "
Pergunta sem resposta. Contudo coloca o Amor no meio da interrogação, e adiante veremos que o Amor será um dos conceitos trazidos pelo autor à nossa reflexão. Um Deus que permite o Mal, pode ser um Deus do Amor? E não terá grande limitação, essa relação do seu Amor com as suas Criaturas (o comportamento delas no mundo? ).
 Por aqui se poderia colocar uma nova questão, a da Liberdade, não menos importante. Amor sem liberdade será amor em plenitude? Mas o abuso, o mau uso, dessa liberdade, não será uma das possíveis  raizes do mal, por ser perversão do primordial entendimento do Amor em plenitude?
As interrogações de Epicuro, no entender do autor, obviamente levariam ao ateísmo. Ora não é isso que ele pretende, no seu texto. Nem tampouco uma adesão cega a uma Fé que nada põe em causa. Faz então, como diz, algumas clarificações: discute a filosofia de Leibniz, pois não vê que seja útil, para a questão da Teodiceia, falar do melhor dos mundos possíveis. E discute a questão do Racionalismo, que pode ser apresentada como não respeitando o Mistério.
O propósito do autor é outro e julgo, sem ter competência teológica para em verdade o discutir, que ele pretende que pensemos o Mal não tanto ou de modo absoluto, por via da Teodiceia, mas antes por via da Filosofia. Aproximando as duas esferas, a que denomina de via curta ( na lógica da fé) e a que chama de via larga (que não recusa o trabalho do conceito). Pois só esta permitirá uma melhor adequação à nossa era, de Secularização e pós-Ilustração (no sentido do século XVIII , de Razão Ilustrada, ou seja culta, liberta de dogmas).
A dificuldade, na discussão do Mal, como na relação com Deus, é que abordamos aqui algo que é de todos os tempos, o mal humano é universal, de todas as épocas, em todos os momentos relatados o podemos verificar, conservados na memória dos povos encontramos sempre testemunhos dolorosos.
Explica o autor que a Teodiceia cristã se demarca das respostas ateístas, mas que o problema é humano, e comum, e só as respostas variam, conforme os pensadores: " a resposta de Schopenhauer não é igual à de Sartre".
Não se trata, para o autor, de "justificar" Deus,  mas sim de "justificar a ideia ou as ideias que nos fazemos do seu mistério: não se justifica o sol quando se refuta o geocentrismo".
Novo conceito, do Mistério de Deus, para nossa reflexão, a somar ao já atrás referido, do Amor; um Amor que se reporta à essência do Mistério de Deus, como acontece com o Mal. Mas será do Mal que ele deseja falar-nos : " Ou seja, fazendo ver que não há contradição entre a ideia cristã de Deus e a terrível realidade do mal.
O "problema "do Mal começou "por ser colocado dentro da religião", afirma o autor, referindo, desde logo, as memórias mais antigas, da Mesopotamia (Gilgamesh) dos hieróglifos egípcios do julgamento e pesagem das almas, Zaratrusta, na Pérsia antiga, o Livro de Job, na Bíblia de Israel, e mesmo sem esquecer o já citado Epicuro e as questões dilemáticas.
Surge em Leibniz, recorda o autor, a palavra Teodiceia, mas com ele estamos ainda na época que ele define como pré-moderna, e o que procura é um novo olhar "largo" sobre a questão do mal na criação divina, que dentro da esfera da fé encontra resposta, mas já não a encontra na época moderna, secular em que vivemos.
A circunstância em que se pode enquadrar a questão mudou, e com essa mudança, a abordagem que se espera. O autor não se exime a responder, e é essa honestidade intelectual que torna o seu desafio, e as suas propostas, tão aliciantes para o leitor interessado.
Afirma a " Necessidade de uma teodiceia actualizada" (p.11 do ensaio). Porque a teologia, tal como a filosofia, deve estar disponível para "dar a razão" das suas convicções. "Já era dito na Primeira carta de São Pedro (1, Pe 3, 15 ) e não pode negá-lo o cristianismo actual".
Redescutindo de novo o ditame de Epicuro, que não traz solução, empurra para uma forma racionalizada de impossíveis, é no Papa Bento XVI que o autor vai encontrar outra ideia-força, a da Caritas: na encíclica Deus caritas est .
Já se trouxe à reflexão o Amor, enquanto se discutia o Mal, discute-se agora a Caridade (forma de Amor, tal como a ideia da Misericórida).
Devagar, vamos descendo, por assim dizer, à esfera do humano, o puramente humano do nosso ser, crente, ou descrente, mas pensante.
Será na raiz do pensamento que poderemos encontrar novo caminho. Que não afaste, que leve a compreender.
Reconheçamos a autonomia do mundo, como escreve o autor, a  partir do Concílio Vaticano II, porque esse é o primeiro passo para enfrentar o problema do Mal de forma inédita. Muda-se, com isso, o sentido da velha pergunta, "de onde vem o Mal? " Havia o Bem (Deus) e havia o Mal( o Diabo). Afinal o que há é a limitação do mundo criado, e nós nele, com a nossa liberdade, que deriva da liberdade, ou da autonomia, que se deu com a Criação.
Chega ssim o autor à conclusão e a uma nova forma de entendimento do Mal: " a raiz última do mal reside na finitude do mundo". E não se exime a citar Spinoza, mais um filósofo para a lista das citações com que tem fundamentado várias vezes o seu discurso, que diz " toda a determinação é também negação" ( Omnis determinatio est negatio,Opera, ed. Pléiade,p. 1231 ).
Autonomia e finitude, pois.
Se com a ideia de autonomia já não se pode supôr que haveria, ou poderia haver, em parte, intervenção, com o acrescento da ideia fundamental de finitude, a questão fica, aparentemente resolvida. Não cabe a perfeição sonhada, na finitude, por definição imperfeita (porque finita! ).
 Não cabem, na nova proposta do entendimento de Deus, nem o Bem nem o Mal, cada um na esfera de comportamento e de escolha humana, própria. A esfera de Deus será necessariamente outra. A de um primeiro ponto, primordial, de que tudo o mais emanou (Nicolau de Cusa) em sucessivos momentos de diferenciação, até se atingir a escala do mundo e dos humanos, na imperfeição da finitude.
Afirma o autor que " todos intuimos que a finitude exclui necessariamente a perfeição omnímoda, pela mesma razão que um círculo não pode ser quadrado (...) um mundo finito-perfeito seria um mundo finito-infinito: um círculo-quadrado, uma contradição" (p.16).
Deste modo o autor retira da discussão o Mal, e a sua raiz em Deus: " Porque se a raiz do mal está na finitude, dado que qualquer mundo possível, não podendo ser Deus, será necessariamente finito, torna-se impossível pensar ...um mundo sem mal. Seja qual fôr o mundo possível, seus elementos e modos de articulação serão distintos; mas sendo limitados (...) estarão sujeitos a falhas e a sofrimentos".
Em relação directa com este problema da finitude surge o da liberdade: não é infinita; é limitada ao espaço da nossa finitude. Kant deveria talvez ser introduzido aqui, pois transitámos para o domínio da Moral, e da Razão Prática, tão do seu agrado, porque transforma um problema maior num problema social e moral de cada um. Da mão do homem nasce o Mal, Deus (o En-Soph da Kabbala) na sua anterioridade, ainda não é o responsável pela sua existência. (Mas este é um àparte meu).
Seguindo ainda o autor, embora de modo resumido, chegamos a um outro conceito muito importante para o aclaramento das suas ideias : o de Bondade.
Falou-se do Amor, fala-se agora de Bondade.
A bondade infinita de Deus, manifestando-se em Jesus, ( o Verbo se fez carne e habitou entre nós...) a sua incarnação, humana e finita enquanto o considerarmos como tal, expoente supremo de um Anti-Mal (contra o qual lutará até ao sacrifício último na Cruz). Mas estamos neste momento a sair da filosofia para voltar à religião. Pois teremos depressa de distinguir, como faz Ratzinger, o Jesus histórico da figura de Cristo, o Redentor.
A discussão do Mal reenvia-nos, necessariamente, para uma meditação mais funda, a da nossa relação com Deus, o seu Mistério supremo. E para a busca do entendimento da Fé: quando alguém como Maria José Nogueira Pinto, figura pública da nossa política, a poucos dias de falecer, afirma, num programa de televisão "nada me faltará", para além da emoção com que deixa o seu público, com que mais o deixa? Com a certeza da sua fé na Transcendência de um mundo onde será acolhida, por um Deus que a ama, embora não lhe poupasse a dôr de uma morte prematura (como fez a Jesus seu Filho).
 Por outras palavras: embora filosofemos, será sempre maior o mistério da Fé que sublima a finitude, o sofrimento, numa entrega tão íntima que só mesmo um Místico ou um Santo poderão explicar. Ou um Homem Bom.
Sem espaço para a discussão do Mal.














1 comment:

Henrique Chaudon said...

Obrigado, cara amiga! A questão do Mal creio ser a principal, hoje e sempre. A autonomia e a finitude serão, por certo, a origem.