Thursday, April 13, 2017

Agora Patrícia Reis...

De Rui Zink, passando pela Bíblia, a Patrícia Reis.
De comum, a afirmação de um conceito que será inovador.
De Rui Zink, A Instalação do Medo foi dos livros que na altura em que surgiu mais me impressionou, pela actualidade, pela intensidade e pela qualidade que chamo de dramatúrgica, tão frequente no que escreve. Rapidamente a construção dos diálogos pode ser o suporte dinâmico de um texto teatral, ou de performance. Há esse dinamismo na sua produção, e mais uma vez neste último que abordei. De Patrícia Reis, da Gramática do Medo (2016) à Construção do Vazio (2017) algo de semelhante acontece: a descrição de situações que definem a sociedade portuguesa e a escrita contemporânea (não distingo aqui a feminina da masculina, não é uma questão de género, é a questão de um novo olhar sobre o mundo, as suas inconsistências e consequências, implícitas ou explícitas).
Como é dito na contra-capa, a personagem principal, Sofia, surge pela primeira vez em Por Este Mundo Acima (2011) e com esta publicação de agora fecha um ciclo de três narrativas, iniciado em 2008, com o romance No Silêncio de Deus. 
Do silêncio de Deus à construção do Vazio podemos descobrir que também por aqui se instalaram o medo, e a inquietação e a necessidade de os dizer, de formas diferentes.
"Cada voz está só e é única e é contra o coração dos outros, vertiginosamente, que ela ressoa" (Agustina Bessa-Luís).
Esta epígrafe, de uma das nossas figuras maiores do romance moderno, já indica como o dizer é difícil, mas absolutamente necessário, para cada um na sua solidão.
Abre-se a narrativa com uma memória de infância, de uma menina que a mãe leva consigo enquanto lhe desmancham o filho que tem na barriga. A mãe não quer ter mais filhos, esta que tem já lhe chega. Percebe-se que não é natural o ambiente de casa, entre pai e mãe, e pai e filha.
Depressa se percebe que haverá violações, e muita e constante violência, algo de que está cheio o meio familiar nas sociedades (é sempre em meio familiar que o pior ocorre). Em itálico vai sendo expresso o pensamento mais íntimo, o que permanece calado.
Sofia cresce, a vida que leva até ser mulher adulta não cresce, decresce com ela. Muita aventura, muita perturbação, alguma perplexidade pelo meio. Nem tudo é coerente, mas na post-modernidade a coerência não se impõe como regra à narrativa. A narrativa objectivada (ou mais íntima e secreta, nos itálicos) é que se impõe à coerência, que se tornou despicienda. Mas na verdade, numa vida apresentada aos tropeções tudo acabará por ter algum sentido. Poderá dizer-se que foi tratado neste romance mais um "tema fracturante", numa sucessão de episódios cronologicamente ordenados, conduzindo a um desfecho anunciado, o da confirmação de um vazio, não do Vazio, mas de um vazio, o da existência mal vivida e contudo assumida de forma quase quase coerente. Mas será? Não estaremos antes perante uma proposta de Bildungsroman em que a protagonista de múltiplas aventuras (ora mais ora menos intensas) acorda para uma vida que desejaria outra, mas é aquela, e não a leva a adquirir a maturidade, a sabedoria distanciada de um Goethe e antes a confirmar o que antecipa, desde o início, que a vida não é fácil num mundo difícil, numa família problemática, violenta, numa sociedade em que a cama (entenda-se o sexo) parece ser um dos únicos espaços de transição possível, mas ainda assim feito de negação, ilusão, ausência, nunca de entrega amorosa ou fraterna verdadeira.
Numa fuga ao real que parece apanágio de toda uma geração, assim descrita, num ajuste cruel, é o real que afinal domina: e esse é o tom deste vazio erguido: vidas que se entrecruzam por e-mails, i-phones, grandes e pequenos abandonos, vidas de consumo tão rápido que mal dão para viver, apenas recordar  sofrendo, se fôr o caso. Uma tela em que se esboçam, a pinceladas rápidas, as situações tantas vezes caladas de muitos actuais comportamentos.
Sob a forma de relato pessoal, é na verdade um quadro social, geracional, que Patricia Reis aqui nos deixa, para ler e ficar a pensar - mais do que entreter.







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